26 de novembro de 2021

O texto de Natal

Todos os dias, entre as quatro e as seis horas daquilo que a gente chama de manhã, se você estiver naquilo que a gente chama de local aberto, virando o seu corpo para aquilo que a gente chama de leste, podendo esperar um pouquinho, você poderá contemplar um parto. Aparentemente sem dor e absolutamente sem pressa, irá surgir uma bola quente e brilhante no céu.

-Sim, nobre pensante! Estou falando do que a gente chama de "nascer do dia"; o surgimento do sol.

O fenomeno ocorre de forma espontanea e natural a bilhões de anos, porém, faz pouco tempo, algumas criaturas mamiferas, bípedes, de telencéfalo altamente desenvolvido e polegar opositor, decidiram que o evento é algo sagrado. 

Não importa onde você vá, não importa onde esteja; se for dentro da bola gigante que a gente chama de terra, você verá esse fenônemeno acontecer. Isso ocorre por dois motivos: por que a terra é redonda e por que terra gira! (Acredite você ou não, a terra é redonda! E gira!).

Desde os primórdios, quando éramos todos peludos e ainda falávamos "Uga! Uga!", aprendemos a olhar para o leste e admirar o nascer do sol. Talvez isso acontecesse não pela beleza, mas porque, com o nascer de um novo dia, ia-se embora também o risco de ser comido pelos predadores noturnos. Com uma visão deficiente, olfato ruim e uma das piores audições da natureza, nossa espécie fez da luz do dia o seu aliado e talvez por isso, associamos a escuridão as coisas malignas. O dia traz o bem e a noite traz o mal. 

Obrigados pela natureza a participar desse fenonemo místico, no que agora chamamos de céu, não demorou para nos tornamos animais ritualísticos. A repetição das vezes que a bola surgia no céu nos ensinou a contar. Passamos a criar a noção de quantidade e daí para o conceito de dia foi um pulo. E se há os dias, haverá semanas... E se há semanas... Bem...

Foi nesse ponto da história que a coisa começou a ficar grande de mais para o encéfalo decorar. Não daria certo que todas as coisas que existissem, ficassem todas soltas. Talvez por isso criamos as caixas.

-As caixas?

-Sim, jovem! As caixas...! Precisamos de caixas.

Foi assim que foram criadas as caixas, mas por algum motivo, alguém achou a palavra caixa muito feia e resolveu batiza-la com outro nome. E logo surgiram mais caixas e para cada nova caixa, novos nomes. Foi assim que surgiu o calendário.

A quantidade de vezes que a bola de fogo deita e se levanta no céu, é marcado na caixa que chamamos de calendário. O calendário serve para isso: fazer você lembrar da quantidade de vezes que a bola gigante no céu deita e levanta todos os dias. Há um padrão nisso aí.

E foi observando esse padrão astral da bola celeste, de deitar e levantar todos os dias, que identificamos similaridade com nós mesmos. Deitamos e levantamos com o sol e eis aqui, então, uma conexão.

É assim que surge a religião e o conceito de crença. Observando o sol deitar e levantar, a nossa imagem e semelhança, julgamos que isso era algo sagrado. E o que é sagrado também cabe dentro de caixas. Acostumados a observar padrões, foram feitas um monte de caixas e colocaram pessoas dentro. Seres pensantes, dentro de caixas, acreditando que o sol era sagrado.

Só passou alguns milhares de anos e os seres dentro das caixas já estavam chamando a bola, aquela grande bola gigante no céu que surge a leste, de deus (ou Deus, como queira). Atribuimos a essa grande bola, acontecimentos esporádicos que sem compreender sua natureza, chamamos de milagre. E era fácil entender sobre milagre todos aqueles que estavam dentro da caixa.

E de dentro das caixas, para fazer com que os outros lembrassem dos milagres do sol, inventaram as festas. Todos os anos, no fim do ano e no decorrer dele - e é sabido que ano é o nome dado a uma das caixas - pessoas se juntam dentro da caixa para celebrar e beber. Há quem diga, até, que não gosta de celebrar, só de beber. Mas ainda assim permencem dentro da caixa.

 E tudo isso por causa de uma bola gigante surgindo no céu...

 (Pode olhar: fica a leste!)

3 comentários:

  1. "...de deus (ou Deus, como queira)." Amei essa parte kkkk. Muito bom o texto.

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  2. Ótima reflexão! Esse desfecho do último parágrafo "Mas ainda assim permanecem dentro da caixa", levou meus pensamentos a outros níveis. Obrigada!

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  3. Interessante a visão religiosa dentro do evento "nascer do sol".
    "Observando o sol deitar e levantar, a nossa imagem e semelhança, julgamos que isso era algo sagrado"

    que egocentrismo nós, enquanto raça humana, temos viu?

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