24 de abril de 2022

Crônica: Coração Negro

Eu não sei começar esse texto, nem sei para onde ele vai e nem tão pouco como ele acaba. Na verdade a única coisa que tenho consciência foi de ter acordado um dia e não ter te encontrado. 

Por favor! Não me encare como alguém de coração duro; não queria ser visto como uma pessoa forte e resiliente que aguenta qualquer parada. Na verdade, assim como tem sido com a causa do povo pobre e negro na periferia, eu também não tenho tido muitas escolhas. Viver tem sido uma luta constante e resistir é uma mera questão de sobrevivência. Nunca foi por algo revolucionário. Sempre foi sobrevivência. 

Não tenho opção! É sobrevivência! Meu coração é negro!

Então, não me leve a mal, nem pense que há um requinte de crueldade quando eu digo que não sinto sua falta. Eu acordei aquele dia e a senhora se foi e precisei seguir em frente. E segui, não por ser forte, mas por não ter outra saída.

É verdade que eu queria a essa altura do campeonato ter aprendido contigo a demonstrar amor dizendo "eu te amo!", mas não foi assim que aprendi. Óbvio que tenho boa parte da culpa e procurei mudar, mas o sabe o texto que escrevi sobre o tempo? Era sobre ti e ninguém entendeu... Eu não tive tempo! E é um pouco sobre isso...

Eu gostaria sim de ter podido dizer que te amo em palavras... E tudo bem, não foi assim que a senhora me ensinou...

A real é que nesse momento eu gostaria mesmo de olhar para ti e dizer que ta tudo bem, que sua história não foi em vão, mas por ti, também já discorri sobre o conceito falho de justiça (E sim! mais uma vez era sobre você!) e sei claramente que nada disso vai acontecer. 

A verdade é que nada está bem! A vida em hipótese nenhuma consegue ser justa e raramente encontramos amor de verdade. É mais uma necessidade. As pessoas continuam vivendo sob os mesmo aspectos cometendo os mesmo erros e as vezes é duro perceber que estamos caminhando rumo ao mesmo buraco. 

Nesse sentido mãe, sua partida fez bem... Por amor e entendimento, hoje eu percebo o quanto seria duro para senhora ter que conviver e se adaptar com o mundo atual. Logo a senhora que lutou e se adaptou tanto, não seira justo se dobrar de novo. Eu acho até que a senhora se deu bem, caso contrário hoje estaria compartilhando comigo a dor que carrego. E como dói!

Não é nem pelo fato de não ser entendido; não me incomoda mais que eles não me entendem; já estou acostumado a ter que me explicar em 95% das vezes que falo; dói mais não ser ouvido... Quase sempre tenho a impressão que estou preso em uma bolha com revestimento acústico a prova de som... Sabe a sensação que você está se afogando? Meus dias são assim com as palavras... Se adaptar não tem sido fácil, mas lembra que não tenho outra escolha?

Pois bem! Não tenho escolhas! Então, passei só para avisar que vivo e resisto! Tô por aqui... Com erros e falhas, com meu jeito peculiar, pondo em prática tudo que aprendi contigo, torcendo que a senhora encontre na morte, aquela felicidade que lhe foi ceifada em vida...

Enquanto isso, ainda estou vivo... Sem saber como começar ou acabar...


Mas continuo tentando!