3 de janeiro de 2022

Epitáfio

Já era dia alto quando Will abriu os olhos. Com dor de cabeça, teve a impressão de que poderia dormir por mais dois dias; pensamento fruto da insônia que passara nas últimas noites. Sem saber muito bem o que fazer naquele dia, seus pensamentos ainda viajavam por lembranças que a muito desejava ter esquecido... E isso o faz lembrar de seus planos... 
"Sim, havia um plano! Agora lembro o que fazer..." Pensou ele.

Por alguma razão, como se não tivesse mais tempo a perder, de um salto discreto, Will levanta-se da cama e se direciona ao seu pequeno guarda-roupa. 

"Pequena caixa". 

Reflexivo, recorda que o mundo há muito já não era mais o mesmo e embora presenciasse tempos de progressos, não conseguia entender o motivo pelo qual tantas pessoas ainda se comportavam de forma tão primitiva. 

"Pessoas gritam, gargalham, urram... O que há de errado com o silêncio?!" 

Em meio a baixa qualidade do silêncio, Will percebe, com um suave sorriso nos lábios, com a cabeça levemente inclinada para frente e para baixo, o motivo pelo qual as pessoas ainda são primitivas... 
Ele sabe a resposta... Não entende, mas sabe a resposta. Will descobriu a respota em um dia ensolarado bebendo água de coco.

"Irônico, não?!" 

Foi ao olhar em sua volta enquanto ingeria o líquido dos deuses, que teve seu surto de loucura e pode perceber, como se nunca tivesse visto antes, pessoas indo e vindo, chegando e voltando, imersas em seus próprios pensamentos. Cada um achando que estava em seu próprio mundo, com seus próprios problemas, em suas próprias vidas, ignorando o fato que o problema de um na verdade era a mentira de todos.

" Só há uma verdade nessa vida: a mentira! Todos mentem! Todos!"

Ele não estava falando de qualquer mentira. Não estava se referindo ato de não falar a verdade; isso é simplório de mais para a mente de Will. Aqui o assunto é mais profundo; profano. Nosso herói desidrata sobre um mundo de omissões; um mundo de pessoas aflitas com esportes, de atletas heróis e professores vilões; um mundo onde pessoas se amolecem com religião e endurecem com caridades; um local onde ter é melhor que ser, governado a base de pão e circo;

"Juvenal... Juvenal..."

Era tudo uma grande mentira. A realidade manipulada de forma esdrúxula pela potência midiática, conseguindo tranformar adultos em androides. A felicidade pulverizada em forma de filtros, podendo ser comprada com papel de plástico; o mundo agora digital, e nos mundos digitais Will percebeu que a mentira, vendida e comprada de diversas formas e por toda sociedade, tornava a vida mentirosamente mais confortável no mundo real.

Sexualização... Humanos como produto... Homens e mulheres orgulhosos de seus corpos, exibindo numa caixa, como se fossem frangos girando em uma máquina de assar; 

"Reality shows, festas, TV's... tisc tisc! Tudo são caixas...!"

Como ninguém percebeu? Como ele próprio não tinha visto? Ele tinha a resposta e era mais simples do que imaginava. Era tudo uma questão de controle. O controle de quem nasce e de quem morre; o controle de quem compra... controle do tempo, o controle da vida...

Já era dia alto quando Will abriu os olhos, naquele dia. No dia que ele percebeu a verdade, nua e crua como ela é. Óbvio! Ele tentou... Antes desse dia, tentou, sem êxito, mostrar às pessoas o que nenhuma delas tem interesse de ver; não demorou muito a concluir que sua luta para que os outros também abrissem os olhos era em vão; a verdade, na verdade, era para poucos. E isso lhe trouxe impotência.

Will quase desejara continuar cego para o mundo e num ato de loucura chegou até a fechar os olhos. 

Como voltar a consumir água suja, quando se tem água limpa? Não tem volta!

Nosso herói jaz impontente; e diante de sua impotência, diante de sua incapacidade de mudar o mundo e cansado de viver em uma rede de mentiras, Will se lembrou mais uma vez que havia um plano.

A sua frente Will abre uma porta. Diante de uma grande caixa de portas abertas, uma pequena caixa de  porta fechada. Dentro da pequena caixa, um cano... La fora as pessoas rompem o silêncio: gritam, gargalham, urram; aqui dentro, o cano próximo do crânio... Por ironia, Will será tão inútil quanto as pessoas que urram. Uma última olhada, um último suspiro... Um estalo, um estouro... Olhos fechados e o sangue jorrando... 

Will finalmente contempla a verdade da vida...!

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